Eu sempre fui do tipo de pessoa que vê uma peça de arte moderna e fala "não acredito que isso tá exposto", ou então "até eu poderia fazer isso". Alguém rabisca uma cor numa tela e pronto, rios de dinheiro. Sempre achei ridículo, sendo bastante honesto.

Mas, recentemente, minha opinião deu uma volta de 180°. Não acho mais ridículo, acho bastante interessante. E eu espero que, caso você pense que nem eu pensava, talvez esse artigo sobre a minha experiência mude sua opinião também.

Nota para os estudantes de arte: eu não sou formado de maneira alguma em arte, então sem dúvida vou errar alguma denominação. Não precisa gritar "não é arte moderna, na verdade é pseudo-neo-etrusca-contemporânea" porque 1. eu não vou ouvir e 2. eu não sei do que eu to falando, claro que eu vou errar. Fora isso, tudo aqui é puramente minha opinião. Não tem embasamento nenhum.

Ok, hora da história.


Recentemente, eu tive a incrível oportunidade de visitar o Museu de Belas Artes de Montréal. Tudo muito chique, muito bonito. E, nele, havia uma seção de arte mais pra abstrata que eu chamaria de moderna.

Muitos quadros bem loucos, várias combinações de tinta, às vezes em quantidades que faziam a própria pintura ter um relevo. No geral, nada que eu tenha considerado particularmente interessante. Achava aquilo tudo meio sem graça mas, enfim, o ingresso já tava pago.

Tudo corria bem até que chegou o infame, a gota d'água, o meme: um quadro branco.

Quadros com, vamos dizer, poucos detalhes são comumente considerados piadas por pessoas fora da área das artes (como eu). Usando Kazimir Malevich – o artista que começou com esse estilo – como exemplo, temos as obras "Quadrado Preto" (1915), "Círculo Preto" (1915) e, acima de tudo, "Branco no Branco" (1918).

Fotografias dos quadros mencionados.
Da esquerda pra direita, respectivamente: "Quadrado Preto", "Círculo Preto" e "Branco no Branco" – obviamente.

Quadros como esses parecem obras que não requeriram esforço, que foram feitas em uma tarde por um artista entediado. Então, quando eu me deparei com o ápice das "obras preguiçosas", um quadro inteiramente branco (com algumas linhas horizontais, quase invisíveis, também em tons de branco) eu fiz questão de parar e tirar uma foto.

Eu, em pé, com pose pensativa, em frente a um quadro em branco
Eu analisando sarcasticamente um quadro inteiramente branco ("B-11 MAI/68" – Gaucher, 1968).

Tirei a foto com o intuito de fazer piada, postar no Twitter com uma legenda do tipo "haha olha que ridículo" e esquecer do quadro.

Mas não foi isso que aconteceu.

Ao invés disso, um pouco mais tarde, eu comecei a pensar sobre a situação. De um museu inteiro, com milhares e milhares de obras expostas, o único quadro que eu fiz questão de parar em frente e tirar foto foi o quadro em branco.

De todo os quadros cujos artistas levaram meses, ou até anos produzindo. De todas as obras com os mínimos detalhes, minuciosamente adicionados, gradualmente, por horas. De todas as paisagens incríveis, perfeitamente recriadas em forma de pintura.

O quadro que eu tirei foto foi o quadro em branco.

Eu vi centenas de obras naquele dia. E só uma chamou a minha atenção dessa forma. Não foi a escultura em bronze. Não foi o Monet com flores.

Foi o quadro todo branco.

Se isso não é uma obra eficaz, eu não sei o que é. Dentre o enorme acervo do museu, eu genuinamente acredito que daqui a alguns anos eu só vou lembrar desse quadro. E, por isso, eu acho que o artista merece um aplauso de pé, e meus sinceros parabéns.

Agora, isso não é dizer que o artista é um mestre das artes, que ele se esforçou mais do que qualquer outro. Ainda acredito plenamente na possibilidade de que o quadro foi feito em uma tarde de tédio.

Mas eu acho que finalmente entendi a motivação por trás de obras modernas e ridiculamente abstratas. A motivação é ser diferente.

Não adianta de nada existirem 50 Monets, ou 50 Picassos. A partir de um ponto, as obras passam a se tornar comuns, "manjadas", sem graça. É preciso que alguém pense fora da caixa e consiga produzir uma forma realmente diferente de arte.

E, claro, o artista do quadro que eu vi não foi o primeiro a pensar em fazer um quadro branco. Mas é um tipo de obra que não é comum nos museus que eu já fui, e foi a minha primeira vez vendo uma desse estilo, então foi uma experiência impactante.

Não preciso nem dizer, mas isso tudo é somente minha interpretação. É muito possível e provável que os artistas tenham motivações diferentes. Mas eu estou feliz com a minha interpretação. E espero que ela tenha te feito refletir também.


A história bonitinha com moral já acabou, vou só contar o epílogo.

Quando eu pensei em escrever essa história pra compartilhar minha experiência eu, claro, queria dar créditos ao autor da obra. Mas, como você pode ter reparado na minha (única) foto com o quadro, não dá pra ler o nome da obra ou do autor.

Então, eu me deparei com um problema bem complicado: encontrar o autor de um quadro em branco. Não preciso nem dizer que o Google não ajudou em nada.

Tentei então procurar no site do museu, que disponibiliza fotos do acervo. Porém, eles separam por categorias e eu, um leigo de arte, não sabia dizer em qual categoria o quadro se encaixava. Após algumas horas olhando pela lista de todas as obras do museu, eu decidi que era inviável.

Enviei mensagens pra duas amigas da área de artes pra ver se elas tinham algum insight, mas também deu em nada.

Me toquei então que eu podia tentar enviar um email para o próprio museu, que certamente conseguiria me responder. Porém, a pandemia do coronavírus tinha acabado de começar, então eu imaginei que talvez levasse um tempo até que eles me respondessem.

Para a minha surpresa, eu recebi uma resposta em apenas 3 horas pedindo por mais informações. Após um desastre de réplica por minha parte – com frases incrivelmente informativas, como "no site, tem uma foto com uma canoa em que o chão parece com o chão da minha foto" e "eu tenho a impressão de que [a obra] estava perto de uma escada" – uma incrível Jasmin, dos arquivos do museu, conseguiu encontrar o registro do quadro pra mim. Serei eternamente grato à ela.

Enfim, ela me enviou um PDF do registro do quadro no museu, e aqui estão as informações mais relevantes pra esse artigo:

Parte de um arquivo PDF com dados sobre a obra.
O arquivo com as informações do quadro em questão. Acho hilário o mini-quadrinho todo branco escaneado ali no canto.

Portanto, com 95% de certeza, o quadro que eu vi é de 1968, de autoria de Yves Gaucher, e tem o título levemente decepcionante de "B-11 MAI/68".

Ao que me parece após algumas pesquisadas, esse não é o único quadro branco com linhas brancas de Gaucher: existe também, por exemplo, o icônico "R-CD-II-69", de 1969, que é bem parecido com o que eu vi, porém menor. Contudo, em ambos os casos, acho que faltou uma equipe de marketing pra ajudar Gaucher a dar títulos às obras.